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quarta-feira, novembro 08, 2006

O Homem que desafiou a Coroa


Jacareí era um ponto de parada de tropeiros e viajantes que aqui descansavam e se abasteciam, antes de tentarem a sorte atrás do ouro das Minas Gerais.

Muita gente da vila de Jacareí tinha uma doença, o tal de bócio, que deixava um papo no pescoço da pessoa que não comia sal.

Os viajantes contavam que nunca tinham visto uma terra com tanto “papudo” e durante muito tempo, o povo daqui ficou conhecido por esse apelido.

Pedro Mulato Papudo também era o nome de um capanga de Bartolomeu Fernandes Faria, o homem mais perigoso da região.

No ano de 1710, aconteceu um feito que levou o nome de Bartolomeu para todo o Brasil.
Naquele tempo, muitos homens faziam justiça com as próprias mãos e o que mandava era a “lei do bacamarte”.

Bartolomeu era muito poderoso e tinha uma fazenda na região onde se ergueu a capela dos Remédios, na divisa entre Jacareí e Guararema. A fazenda abrigava mais de duzentos capangas e escravos, uma misturada de gente de vários jeitos e lugares.

Era uma época de muita carência, as mercadorias vinham de outras cidades e pra chegar aqui o transporte levava dias.

Só quem podia vender os alimentos eram os amigos da Coroa, as pessoas que tinham autorização de Portugal para comercializar os produtos. E pra piorar, havia os atravessadores que colocavam o preço lá em cima.

Nesse período, o sal já era uma das mercadorias mais importantes porque conservava as carnes e servia de alimento para o gado, além de servir de tempero para a comida dos homens.

Pela Coroa, o sal deveria custar 1.200 réis por alqueire, mas os atravessadores de Santos (que de bobos não tinham nada) escondiam grande parte do sal para o preço subir. Depois de tanto procurar, o povo ficava desesperado e acabava pagando o preço que os atravessadores pediam.
Em Santos, o sal era vendido por uns 8.000 réis por alqueire e nas vilas “serra acima”, como Jacareí, custava uma fortuna que ia de 20.000 a 30.000 réis! Essa situação durou muitos anos, o povo xingava, esperneava, mas de nada adiantava.

Até que um dia, Bartolomeu decidiu dar um basta naquela situação e desceu a Serra com seus duzentos homens, todos armados com flechas e bacamartes.

Apesar de não existir nem cheiro de telégrafo, muito menos telefone, a fama de Bartolomeu chegou a Santos antes dele. Dizem que ele já tinha despachado uns infelizes em Mogi das Cruzes e em Jacareí, por isso, quando pisou na cidade o povo entrou em pânico.

Foi um alvoroço e todo mundo correu pra casa ao ver aquele bando enorme, armado até os dentes.

Bartolomeu entrou com a maior facilidade no Armazém de Sal porque nenhum guarda foi louco para reagir diante daquele batalhão. Mandou chamar o contratador do sal, dando sua palavra que não iria fazer mínima ofensa e pagou pelo sal o preço justo, os 1200 réis por alqueire. Pagou também os impostos que a Coroa exigia, no valor de 400 réis, tudo conforme a “lei”.

Bartolomeu mandou tirar todo o sal que os burros podiam carregar e era sal que não acabava mais...

Só depois de muitas horas que o bando já tinha saído da cidade é que a infantaria tomou coragem para seguir o rastro de Bartolomeu. Mas o homem era muito esperto e mandou seu bando destruir todas as pontes do caminho para que os soldados de Santos não conseguissem chegar até eles.

Todas as tropas que vieram prender Bartolomeu em Jacareí foram recebidas a balas e flechas. Ele morava numa casa-forte, com muros altos e muito bem vigiada.

A afronta de Bartolomeu desmoralizou os governantes da época e a Coroa de Portugal ofereceu uma recompensa pela sua captura.

E não foi só isso que Bartolomeu aprontou com a Coroa, não...

Nesse mesmo ano, 1710, acontecia em Minas Gerais uma guerra entre os bandeirantes que tinham encontrado as minas de ouro e os portugueses que queriam se apossar delas. Era a Guerra dos Emboabas.

"Emboaba" é o nome de uma ave que tem as patas cobertas de penas. Os bandeirantes usavam esse apelido para gozar dos portugueses que nunca tinham pego numa foice e desfilavam com roupas pomposas e emplumadas.

José Grande Carijó, outro capanga do Bartolomeu, contou que uma vez passaram alguns forasteiros por Jacareí levando armamento e munição para ajudar os portugueses. Bartolomeu não teve dúvida, confiscou todo o carregamento e mandou os forasteiros seguirem caminho de mãos vazias para as Minas Gerais.

À medida que o tempo passava, aumentava o número de pessoas que caçavam Bartolomeu e seu bando.

Certa altura da história, Bartolomeu e seus homens fugiram pra região de Bom Jesus de Iguape. Pedro Mulato Papudo contou que eles foram pra lá cumprir promessa, agradecer a proteção do Bom Jesus e armar estratégias de defesa.

Só em 1718, oito anos após o episódio do sal, é que prenderam Bartolomeu. Alguns de seus escravos e capangas conseguiram fugir e os que não tiveram melhor sorte foram mandados para as aldeias.

Bartolomeu foi enviado pra Bahia e lá ficou na prisão durante muitos anos, até morrer velho, pobre e “bexiguento”. Dizem que alguns padres saíram recolhendo esmola para o seu enterro e em pouco tempo, arrecadaram 800.000 réis, um dinheirão pra época. Até na hora da sua morte, Bartolomeu surpreendeu e pregou uma peça na Coroa.