Saci
Na roça tinha muito Saci, um vultinho que se parecia com um menino pequeno e negrinho. O Saci gostava de reinar em tudo e de assustar quem tinha medo dele, que era quase todo mundo.
Ele tinha vários tipos de assobios, um pra quando estava alegre, outro pra quando fazia estripulia, outro pra quando ajudava os animais, e por aí vai.
O Saci ficava contente com as tempestades e sempre aparecia quando começava a relampejar, dizem também que gostava de rodopiar onde tinha criança. Ele chegava num redemoinho, levantando tudo que tinha por perto, folha, galho, pena de galinha, ia tudo pra cima...
O povo conta que pra pegar o Saci era preciso jogar um terço ou lançar uma peneira trançada em cruz no meio do redemoinho. Só assim ele não escapava.
Durante os anos em que trabalhou na fazenda do Campo Grande, Dona Quitéria era vizinha de um sujeito chamado Manuel. Ela contou que esse rapaz tinha vindo de Pinda e nos tempos de solteiro, pediu a companhia de sete sacis, que iam com ele pra tudo quanto era canto.
O Manuel começou a namorar a Carminha e quando ia na casa da moça levava junto os sacis. Chegando lá, os sete vultinhos ficavam brincando no quintal e depois iam embora com ele.
A Carminha queria morrer com aquilo e tinha muita de vergonha de sair com o noivo na rua, com aquela sacizada atrás. Ela fazia todo tipo de promessa e simpatia pra se livrar dos bichinhos, mas não adiantava.
O tempo passou, os dois se casaram e foram morar na fazenda do Campo Grande, ao lado da Dona Quitéria.
A Carminha continuou rezando, até que seis sacis foram embora. Mas teve um que ficou. Ela chegou até a levar um padre pra tirar esse Saci, mas não adiantou, ele ficou lá.
Dona Quitéria contou que ele vivia batendo na porta de sua casa, tarde da noite, só pra perturbar. Batia e saía correndo.
O marido de Dona Quitéria, seu Tobias, andava sempre com alho no pescoço pra espantar o penadinho. Quase todas as tardes quando o homem ia pegar água, encontrava o Saci pulando em cima do poço e mandava ele chispar de lá.
Nessa fazenda também tinha um cavalo chamado Gigante, que passava o dia todo cansado.
Lá pras quatro da manhã, quando os homens iam pra invernada tirar leite, eles viam o fedelhinho montado no Gigante, correndo pra baixo e pra cima. O cavalo passava debaixo das árvores e o Saci não abaixava, o pessoal via aquele vultinho passando através dos galhos e dando um assobio de traquinagem.
Todo santo dia, o Gigante amanhecia fatigado e com as crinas trançadas. Daí o Manuel tinha que desfazer as tranças com alho na mão, que era a única forma de desatar os nós.
Numa ocasião, o dono da fazenda resolveu dar uma casa pra Carminha e pro Manuel, num lugar mais afastado. O casal ficou muito feliz, a família de Dona Quitéria mais ainda...
Na manhã em que o Manuel e a Carminha iam se mudar, a casa começou a pegar fogo, de repente. Em poucos minutos, ficou inteirinha queimada, não sobrou nada.
Era o Saci que não queria se mudar pra lá. O casal saiu da fazenda com o pestinha e ninguém teve mais notícias deles. Dizem que voltaram pra Pinda.
Lá pros lados do rio do Peixe, que depois virou a represa do Jaguari, tinha outro saci e contam que esse era amigo do Nitinho, um sujeito que não trabalhava, mas comprava tudo. Ele dizia que era ajudado pelo saci, mas nem sempre... Era só quando o bichinho queria.
Quando o saci dava um tipo de assobio, o Nitinho sabia que a pescaria ia ser boa. Então, a água do rio parava de correr e ele pegava tantos peixes que caíam do samburá.
Mas quando o saci não queria, o Nitinho escutava outro tipo de assobio. Aí o vultinho ficava jogando terra e pedra na água e o pescador não catava nada.
O amigo do Nitinho, Vicente do Queijo, morria de medo do saci. Depois que o Vicente viu o penadinho pela primeira vez, não quis mais pescar sozinho e começou a chamar sua mãe, Dona Rosalina, para ir junto.
Se a mãe fosse com ele, não viam assombração nenhuma. Mas se o Vicente fosse sozinho, o saci aparecia e ficava jogando terra no rio.
O povo falava que o coisinha ruim não aparecia pra Dona Rosalina porque ela era benzedeira. De fato, no clarão do dia o saci não dava as caras pra ela, mas quando escurecia ele aprontava.
À noite, Dona Rosalina sempre cozinhava canjica e deixava o doce descansando no fogão a lenha. De madrugada, vinha o danado, comia os milhos e vomitava de volta um caldinho.
É por isso que o povo da roça não come canjica amanhecida. Nem canjica, nem outra comida porque o saci adora fuçar nas cozinhas.
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