Corpo Seco
Antigamente tinha muito Corpo Seco em Jacareí. O povo dizia que quando a pessoa era muito ruim em vida, depois de morta nem a terra aceitava e ela virava Corpo Seco.
O corpo da pessoa não se desfazia, secava. E no cemitério, às vezes a assombração tirava a mão ou o pé pra fora da terra, esse era o sinal de que ela queria sair.
Depois que saía, o Corpo Seco grudava nas costas de alguém e essa pessoa não tinha como se livrar dele, era obrigada a levar o traste onde ele quisesse. Se levasse pra outro lugar, a assombração não parava de azucrinar e não desgrudava das costas.
Geralmente o Corpo Seco pedia pra ficar perto de onde ele tinha morado quando era vivo. Chegando no lugar escolhido, quase sempre um descampado, o Corpo era amarrado numa árvore. Depois disso o “carregador” tinha que ir embora sem olhar pra trás, para não ser hipnotizado pela assombração.
No pedaço onde o Corpo Seco escolhia era ele quem mandava e sempre tinha pé-de-vento e tempestade.
Certa manhã, enquanto um coveiro arrancava as ervas daninhas, um Corpo Seco tirou a cabeça pra fora da terra e começou a falar. Era uma tal de Cida Tramela, que tinha sido uma filha muito ingrata.
Quando isso acontecia, era preciso chamar a mãe do Corpo Seco para bater nele com vara de marmelo benta, três vezes, antes dele sair do cemitério.
Enquanto foram chamar a mãe da Cida Tramela, o coveiro pediu pra avisar nas casas que ia sair um Corpo Seco, por volta do meio-dia.
Os moradores da região do Avareí já sabiam o que acontecia, por isso, as mulheres recolhiam as roupas do varal e todo mundo entrava pra casa.
O coveiro e outro moço saíram com a assombração nas costas, passaram pelo córrego e por uma porteira. Andaram mais uma légua e meia e o Corpo Seco pediu para ficar ali.
Os dois homens amarraram a assombração numa mangueira e foram saindo. Assim que deram os primeiros passos, o Corpo Seco chamou os dois e disse que se tinha enganado. Então, pediu pra ser amarrado perto da porteira porque tinha morado lá antes de morrer.
Na ida, o Corpo Seco já tinha visto a porteira, mas não falou nada porque queria andar mais um tempinho nas costas do coveiro.
O coveiro e o moço ficaram com medo de olhar pra trás e serem hipnotizados, mas o Corpo Seco garantiu que não iria fazer isso com eles.
Mesmo desconfiados, os dois homens acharam melhor obedecer, até porque não tinham outra saída. Por via das dúvidas, o coveiro e o moço desamarraram o Corpo Seco olhando pros lados e não pros olhos dele. A assombração grudou de novo nas costas do coveiro e os três pegaram o caminho para a porteira.
Chegando lá, o coveiro e o moço amarraram o Corpo Seco num ipê roxo e foram embora.
Durante o período em que o coveiro e o moço estavam carregando o Corpo Seco aconteceu uma ventania na região do cemitério. As roupas esquecidas nas cercas rasgaram, algumas casas começaram a sacudir e o povo viu um balão preto rodando em cima dos telhados.
Era um balão muito grande e estranho que ficou contornando as casas até os dois homens retornarem. Quando o coveiro e o moço estavam voltando, viram o balão preto se afastar e descer onde estava amarrado o Corpo Seco.
Dizem que no Parateí existia um Corpo Seco que ficava amarrado numa árvore e tinha um colar de ouro muito bonito, que brilhava de longe.
E todo mundo queria o colar. O pessoal fazia uma vara de taquara comprida, com um gancho na ponta, e ia futucar o Corpo Seco.
A vara pegava no colar e subia bem devagarinho, mas quando passava pelo queixo do Corpo Seco, ele fazia:
- “Schiiiiiiiuu!”
E todo mundo saía correndo.
Nessa hora começava o pé-de-vento. As crianças miúdas gostavam disso porque a ventania era tanta que elas voavam um pouquinho.
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